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LUOS – Brasília num conflito de identidade

Por Claudio Viegas, ex-Prefeito e atual Conselheiro Comunitário

O projeto de Lei Complementar 69/2020, que se encontra em discussão na Câmara Legislativa do DF, mostra mais uma vez o Governo do Distrito Federal tentando desrespeitar linhas importantes do Memorial da Cidade de Brasília, desenhado por Lúcio Costa em 1960.

Historicamente, nos sonhos de uma nova civilização, os pioneiros tinham como meta a manutenção da vida biológica na formação artificial do Lago Paranoá. Suas águas, estampariam a mansidão e a luminosidade da abóbada celeste, compondo uma homogeneidade panorâmica da nova cidade que despontava no meio do cerrado brasileiro. Cenário de harmônica beleza, de construções se irradiando no espelho d´água, mantendo uma permanente serenidade e bucólica visão da capital do Brasil. Não havendo rios caudalosos e nem a paisagem do mar, os cartões postais deveriam necessariamente dar ao conjunto arquitetônico uma visão de grande expansão visual em suas linhas de horizonte, e a garantia de preservação do meio ambiente.

Infelizmente, neste momento, a visão romântica projetada, corre o risco de ser irremediavelmente destruída. Há falta de um diálogo imaginativo, entre os técnicos que comandam a Secretaria de Desenvolvimento e Urbanismo do DF e os moradores de Brasília. Há 5 anos que se criam áreas de atrito e competição entre os setores empresariais e os moradores, pela tentativa incompreensível de descaracterização do projeto pioneiro. Inédito, em comparação com outras capitais mundiais. Nesse contexto, salva-se apenas a área central, determinada por diretrizes acordadas na inserção de Patrimônio Mundial da Humanidade.

O Lago Paranoá, que une o Plano Piloto aos setores habitacionais das margens opostas desse contexto urbanístico, se vê ameaçado constantemente, pelas tentativas governamentais de intervenção imobiliária, estranhas à condição primária de habitação unifamiliar – historicamente, a expansão desses setores sempre respeitou a condição de permeabilidade do solo, pelo conceito de áreas verdes entremeadas com habitações individuais. Longe da poluição sonora e industrial. 

Infelizmente, essa interminável revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), burla esse conceito de cidade jardim, dando margem a investidas imobiliárias desfavoráveis aos bairros Lago Sul e Lago Norte, ao tentar inserir em seus domínios empresas comerciais e até industriais. Essas modificações poderão acarretar, num futuro próximo, uma desestrutura urbana irreversível e caótica. Ignora-se também o ciclo das águas, desprotegendo as nascentes inseridas nas Áreas de Patrimônio Ambiental (APAs) que se espraiam nos projetos dos bairros Taquari e ParkWay, tão bem definidas na Lei de Zoneamento Ecológico Econômico do DF (ZEE) .

São nítidas as discordâncias do projeto. Enquanto insere modificações importantes na característica habitacional individual dos bairros, confunde a opinião pública ao definir os objetivos estampados no Capítulo III, art. 4º, itens V e VI:

Dos objetivos da LUOS:

…….

V- Promover a manutenção das áreas de vegetação interna das propriedades, com prioridade para a arborização.

VI – Preservar os aspectos da paisagem urbana, do Conjunto Urbanístico de Brasília e do Entorno dos bens tombados.

Subtende-se, que o Conjunto Urbanístico é a soma das áreas centrais da cidade, suas asas Norte e Sul, o Cruzeiro e os setores Sudoeste e Noroeste. Já o Entorno dos bens tombados, aquele que compõe áreas habitacionais de caráter unifamiliar às margens do Lago Paranoá e as áreas que costeiam os afluentes que nutrem esse imenso e sereno lago, tão bem retratados nos cartões postais que correm o planeta. Querem enganar a quem?

Com essa discordância, as Associações de Moradores de diversos bairros, onde se insere também o Lago Norte, analisam profundamente o projeto em tramitação na Câmara Legislativa. Seus moradores, sempre voluntários, tentam dissuadir técnicos e legisladores em permitir o aumento do gabarito na altura das residências; em permitir a construção de comércio aberto e outros serviços nas residências unifamiliares; e, em modificar o sagrado direito do controle de vizinhança, definido no Código Civil Brasileiro.  Sublinham que a extensão da lei federal de serviços permitidos em residências (M.E.I.), já é um instrumento suficiente para a execução de atividades não poluidoras para todos os que trabalham em suas casas. Não há necessidade de distensões maiores do que permite essa legislação. A expansão de firmas comerciais e serviços em residências, desestrutura bairros exclusivamente habitacionais, poluindo o meio ambiente, pela profusão de tráfego de veículos, pelo aumento da carga sonora e pela insuficiente rede existente de água, esgoto e carga elétrica.

Nesse momento, os moradores unidos em torno da preservação da história e do meio ambiente que caracteriza a cidade, acompanham com ansiedade o desenrolar dessa luta em prol de núcleos habitacionais unifamiliares, projetados num universo de cidade jardim. Soma-se a esperança de preservar suas residências como refúgio da família e do bem patrimonial conquistado ao longo desses 60 anos, sem as intercorrências que tanto afligem outras metrópoles do Brasil.

O pôr do sol em Brasília ainda não tem obstáculos em seu horizonte. Vamos rejeitar aberrações urbanísticas que estão sendo propostas em nome da livre lei do mercado. Devemos lutar incessantemente para preservar nossos bairros que margeiam o Lago Paranoá, e que trazem essa fotográfica e bela perspectiva de uma cidade ainda humanizada.

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